Dez anos após queda de Milosevic, Sérvia se queixa de reformas insuficientes
Mirka Pejanović | Belgrado
Os sérvios lembraram nesta terça-feira (5/10) os dez anos da derrubada de Slobodan Milosevic, o presidente da Iugoslávia e da Sérvia que governou durante todo o período de dissolução da federação balcânica, e até hoje é lembrado como um belicista corrupto por alguns e como um socialista que resistiu à pressão das potências ocidentais por outros. Uma década depois da chamada “Revolução de Outubro” nos Bálcãs, porém, o país lamenta que boa parte dos objetivos esperados na derrubada do governo ainda não foi alcançada.
No dia 5 de outubro de 2000, pessoas de diversos pontos da Sérvia chegaram a Belgrado, capital do país, para pressionar o parlamento a reconhecer a derrota eleitoral de Milosevic, que tentara se reeleger presidente duas semanas antes. Era um momento crucial na vida política e social da Sérvia: nas eleições de 24 de setembro, Milosevic perdera a presidência da República Federativa da Iugoslávia, mas se negara a entregar o poder a Vojislav Kostunica, candidato da Oposição Democrática da Sérvia (DOS, em servo-croata), formada por 17 partidos de diferentes orientações ideológicas. A Comissão Federal de Eleições anunciou que haveria segundo turno, embora, segundo a oposição, Kostunica tivesse obtido mais de 50% dos votos 2.470.304 votos, ou 50,24%. Milosevic recebera 1.826.799 votos, ou 37,15%.
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Em 5 de outubro de 2000, o maior alvo da população foi a sede parlamento |
Recusando-se a aceitar a derrota, o Partido dos Socialistas da Sérvia (SPS) e seu líder, Milosevic, provocaram uma crise pós-eleitoral e chegaram a ameaçar uma guerra civil. Depois de vários dias de protestos e greves, a crise terminou em 5 de outubro, com uma grande manifestação diante da Assembleia Federal em Belgrado, reunindo centenas de milhares de pessoas. Neste dia, Misolevic foi derrubado do poder. No dia seguinte, admitiu a derrota eleitoral e parabenizou Kostunica, que em 7 de outubro tomou posse diante dos membros da Assembleia Federal como presidente da Iugoslávia.
Para Srdja Popovic, ex-liderança do movimento de resistência chamado Otpor, que teve participação importante na derrubada daquele governo, houve “uma variedade de fatos” na década de 1990 que geraram descontentamento na população e levou à sua queda.
“Houve uma onda de nacionalismo, guerras sem sentido, recrutamento militar forçado, com a ameaça de corte marcial para os desertores, a hiperinflação de 1993, que levou nossos pais da classe média à pobreza, a crescente repressão da oposição política, o confronto com os vizinhos e o mundo, as guerras e um bombardeio”, lista o ex-dissidente. “Era uma boa quantidade de razões para que as pessoas se envolvessem na luta por uma vida melhor, não é mesmo?”.
Endividamento
Embora o público sérvio aceite amplamente que a derrubada de Milosevic foi justificada, a ideia é combatida por Uros Suvakovic, antigo membro do SPS e presidente da Associação Sloboda (“liberdade”, em servo-croata), dedicada à preservação do legado de Milosevic. Suvakovic afirmou ao Opera Mundi que o presidente era “um homem honrado e honesto”, um “verdadeiro democrata” cujo poder se baseava no direito e na justiça social, e que foi injustamente denegrido nos meios de comunicação.
“Slobodan Milosevic foi o último grande estadista europeu do século XX; um herói da nação sérvia”, disse ele.
Suvakovic não concorda com as visões de que as mudanças de 5 de outubro de 2000 foram positivas na maioria.
“Não vejo nada de positivo nessas mudanças. Tudo está pior para a população e melhor para os proprietários da Sérvia – os magnatas que enriqueceram depois do 5 de outubro. Um resultado é o desaparecimento da Iugoslávia do mapa do mundo. Esta Iugoslávia, que era territorialmente maior que a atual Sérvia, tinha uma dívida externa de cerca de 7 bilhões de dólares. Hoje, passamos de 30 bilhões de dólares: caímos na escravidão das dívidas”, resume o dirigente socialista.
Cartel político
Já o analista político Zoran Stojiljkovic, professor da Faculdade de Ciências Políticas da Universidade de Belgrado, acredita que, independentemente das mudanças democráticas, a Sérvia está longe de ser uma democracia consolidada.
“Estamos presos em uma espécie de democracia defeituosa ou deficiente. Por exemplo, existem os órgãos de comunicação, que são plurais, mas não são resistentes à pressão das estruturas políticas e dos magnatas. Além disso, não há vontade política para enfrentar a corrupção endêmica generalizada. A grande maioria dos cidadãos não vê os frutos imediatos das mudanças, e quatro ou cinco vezes mais pessoas se consideram perdedoras do que as que acreditam que a mudança democrática melhorou a qualidade de vida”, afirma Stojiljkovic.
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Para Zoran Stojiljkovic, a democracia na Sérvia ainda tem muito a evoluir |
O cientista político acrescenta que os maiores beneficiados pelas mudanças de outubro foram os partidos políticos, tanto os de oposição a Milosevic (os Democratas da Sérvia, DS, e o Partido Democrata Sérvio, SDS, além dos liberais LDP e G17+, fundados anos depois) quanto os herdeiros do dirigente (os socialistas do SPS e os radicais do SRS).
“Milosevic tinha um 'casamento' com as classes mais baixas – ou seja, prometia não abandoná-las durante a crise. Agora, o cenário é de algum tipo de vingança das estruturas que apoiaram Milosevic e perderam. O maior ganhador das mudanças é a elite política, todos juntos, transformados em uma espécie de cartel. Em vez de compartilhar o poder com a mudança da coalizão, sempre se deixa uma porcentagem de vagas, em cargos de direção, para os partidos de oposição, a fim de evitar qualquer risco de perder o poder. Por isso não surpreende que hoje, quando perguntam 'O que significa o 5 de outubro para você?', as pessoas respondam: 'Uns foram simplesmente substituídos por outros'”, explica.
De frente para o mundo
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Srdja Popovic: várias razões para derrubar Milosevic |
O impulso da reforma democrática de 2000 perdeu força – para alguns, retrocedeu – com a morte do primeiro-ministro Zoran Dindic, em 12 de março de 2003. Ele tinha sido um dos principais líderes da “revolução” e seu assassinato, por um disparo de franco-atirador, teria sido obra de setores dos serviços de segurança e unidades especiais da polícia. O deputado Zarko Korac, que foi ministro do governo Dindic e agora é de oposição, disse ao Opera Mundi que o assassinato do primeiro-ministro determinou a maior parte do desenvolvimento da Sérvia depois de 2003. “Sem dúvida, a Sérvia avançou em alguns aspectos. Os governos mudam nas eleições e, com Milosevic, não tínhamos esse direito fundamental – ele não aceitava a derrota nas eleições, portanto carecíamos de uma condição fundamental da democracia. No entanto, tivemos o assassinato do primeiro-ministro. O regime anterior matou o primeiro chefe de governo democrático e as forças obscuras ainda estão à nossa volta”, alerta.
Nos dois últimos governos de coalizão na Sérvia, o partido SPS de Milosevic foi um fator indispensável para formar a base aliada. O número de desempregados nos últimos dez anos aumentou em 0,5 milhão. Em 2010, o PIB (Produto Interno Bruto) representou apenas três quartos do de 1989. A pergunta é: o que ganharam e o que perderam os cidadãos sérvios com as mudanças democráticas de uma década atrás?
“A Sérvia agora olha para o mundo, ao contrário do isolamento em que se encontrava nos anos 1990”, diz Srdja Popovic. “Com as mudanças de 5 de outubro, a Sérvia entrou em um diálogo com os parceiros da região e o mundo, em contraste com a confrontação que, em virtude de Milosevic, iniciou cinco guerras sem sentido. Além disso, a Sérvia está se transformando em um país onde se pode viver do próprio trabalho, e onde, no lugar do medo e da repressão, existe alguma esperança e alguma expectativa de que amanhã será um pouco melhor”.
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