terça-feira, outubro 12, 2010

Para quê?

OPINIÃO
Para quê?
SÉRGIO PAULO MUNIZ COSTA – O Globo - Publicada em 11/10/2010 às 19h22m
No mês de agosto, precisamente no Dia do Soldado, o governo alterou as condições de cumprimento da missão constitucional das Forças Armadas, modificando-a na sua essência. Com a inserção de um político na cadeia de comando e a subordinação do emprego das forças a um oficial-general escolhido segundo critérios políticos, estão dadas as condições para o governo usar - interna ou externamente - os meios militares segundo a hipótese que bem lhe aprouver.
Assim, o aparato institucional das Forças Armadas passou a ficar legalmente sujeito a uma vontade política única centralizada na chefia do Executivo.
Logo depois da Segunda Guerra, os políticos brasileiros souberam usar para seus fins o prestígio das Forças Armadas. Em meio à instabilidade política reinante, um jovem general proferiu em 1957 uma palestra em que concluía: "Forças Armadas, para quê?" Profissional de carreira arraigadamente legalista, oficial de operações da Divisão de Infantaria da Força Expedicionária Brasileira, culto historiador militar, um ouvinte atento de Fernand Braudel, Castello Branco, como chefe do Estado-Maior, reiteraria no início dos anos 60 o alerta sobre a transformação do Exército em milícia.
Anos depois, como presidente num regime que ele via comprometido com a autoextinção, Castello Branco tomou medidas para afastar as Forças Armadas da política partidária, reforçando o papel dos altos comandos e limitando o tempo de serviço dos oficiais-generais com autoridade de comando. Isso era coerente com a visão de uma revolução para acabar com todas as revoluções. Ingênuo ou não, foi esse ideal que viabilizou um novo regime, de normalidade democrática, sem golpe de Estado, algo inédito na história da República.
Dividem-se hoje os analistas entre os que veem nos acontecimentos no Brasil um risco ao sistema democrático e os que enxergam apenas mais um capítulo da luta pelo poder. Como ambos têm parte da razão, mais útil seria que os atores da cena política assumissem suas posições diante da velha dicotomia que nos assola há décadas: a preservação do sistema democrático plural ou a sua supressão em benefício de um projeto de poder.
Pela prática política em curso e manifestações dos dois candidatos à Presidência, anuncia-se a extinção do regime fundado em 1985-1988, do que estranhamente participam os próprios herdeiros da vontade política que o instituiu - no caso o PMDB das lideranças históricas hoje desaparecidas. Por mais que detestassem (ou detestem) os militares, elas tiveram (e têm) que lidar com a equação militar, porque não há como alijá-la do poder. Se não o fizerem, alguém o fará (e já o fez).
A História não se repete, mas deixa lições. O controle político ilimitado das Forças Armadas permite que um Rumsfeld emita ordens de mobilização e deslocamento a unidades militares para uma guerra a ser precipitada segundo as conveniências do poder e demita preventivamente quem dele discordar por dever funcional. Da caixa de horrores da ascensão nazista nos anos 30 na Alemanha, pode-se tirar a vergonhosa omissão dos seus generais diante do assassinato de políticos e de alguns de seus próprios companheiros, que levou à supressão de toda e qualquer oposição.
Cada um deplore a tragédia que preferir, mas tratemos de evitar a nossa. Diante de tantas mudanças, assumidas ou não, é sempre atual e prudente perguntar: para quê?

SÉRGIO PAULO MUNIZ COSTA é historiador e foi delegado do Brasil na Junta Interamericana de Defesa, órgão de assessoria da OEA para assuntos de segurança hemisférica.

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