terça-feira, outubro 12, 2010

Quando o vento sopra ao contrário

Quando o vento sopra ao contrário
Wilson Figueiredo - JORNAL DO BRASIL
Não é preciso ser assíduo à leitura das cartas de baralho ou freqüentador de tendas sobrenaturais para saber que nem sempre a tempestade precede a bonança, e que pode perfeitamente ocorrer o contrário. Também vale. Depende até dos ventos. Lula é apontado como o presidente de mais sorte dentre os que passaram pela República e também dos que levaram com eles a intenção de voltar, e a amargura de não terem conseguido.Há fatores que independem dos interessados e recomendam atenção quando o vento sopra ao contrário.
Previsível, por enquanto, apenas que um dos dois, Dilma Rousseff ou José Serra, presidirá a república nos quatro anos pela frente. Antes, porém, naquele curto período entre a eleição e a posse, o vencedor anestesiado pela expectativa se beliscará para confirmar se foi mesmo preferido pelos milhões de votos que reforçam a democracia entre idas e vindas ao Brasil.
Já em relação ao presidente (mais ou menos) de saída, uma luz crepuscular o mostra, aqui e ali, mais reflexivo do que explosivo, interessado em saber onde foi mesmo que errou. Certa indefinição diz mais sobre ele do que as pistas deixadas pelo caminho. No espaço entre uma situação e outra, estará mais sozinho do que nunca. Será a hora em que a solidão oferecerá seus préstimos e os erros operacionais se encarregarão do que tiver de ser quitado.
Consequências se apresentam voluntariamente. Principalmente quando deixam de ser pessoais e se tornam assunto de interesse público. Por tudo que fez de diferente do ritual republicano tradicional, o presidente Lula não conseguirá impedir o fluxo do que circulou em voz baixa e ficou reservado para, em alguma altura do futuro, ser reaproveitado (se bem que não chega a ser matéria prima histórica). Até na internet se notou algum cuidado em relação a versões que se tornarão mais aceitáveis pela mão do tempo.
Vitórias dispensam explicações e derrotas se abstêm de oferecer conselhos porque as situações não se repetem com exatidão. A História se recusa a facilitar reincidências. Com a eleição presidencial nos termos em que foi armada, dadas as condições exclusivas que a marcaram, não se pode esperar que aspectos favoráveis prevaleçam impunemente sobre as transgressões ao espírito republicano. As consequências se apresentarão quando for a hora. No segundo turno, o presidente da República – interrompendo um simulado cuidado para salvar as aparências _ voltou à campanha eleitoral e pediu pela televisão que os cidadãos elejam a candidata à qual vinculou ostensivamente sua volta ao poder. Lula não interpretou corretamente a ausência de reação pública a atos que mostram, por parte da sociedade, clara consciência da necessidade de preservar a normalidade política.
Da parte dele, o teor ostensivo tem sido de provocação. Desde 1988, felizmente, a maioria absoluta blindou a sucessão presidencial e acabou com os sofismas dos derrotados e as reinterpretações cabalísticas de resultados eleitorais.
O comportamento imprevisível por um lado, mas previsível pelo lado oposto, precipitou a sucessão presidencial e perturbou o presidente Lula, diante da hipótese de insucesso da candidatura Dilma Rousseff. A participação direta dele na campanha se expandiu por omissão da opinião pública e equivoco das vozes que não se fizeram ouvir em tempo. Eram e são previsíveis consequências da metamorfose pessoal nele, agravada pela vitória paga com as três primeiras derrotas: Lula aceitou o risco de ser interpretado ao contrário do que pretendeu. Mas, o presidente não está nem aí, nem por perto. Pode haver consequências que ainda não passam pelas cabeças. Dessa transição que se desenha por mãos anônimas, e não deixam impressão digital, uma é certa: quem se eleger não escapará da reforma política já na tocaia.
Dilma ou Serra terão de se haver com a reforma política porque nada de bom se pode esperar de políticos, desde que se perdeu a oportunidade oferecida pelo mensalão. Aquela foi a hora de enfrentar os costumes que roem a República no que ela tem de mais delicado, que são as relações entre eleitores e eleitos, cidadãos e representantes políticos, no espaço de responsabilidade compartilhado pelo Executivo e o Legislativo. A vida pública brasileira, no varejo cotidiano, se tornou um campo propício à intermediação de interesses múltiplos no comércio de compra e venda de votos. Um estado de espírito amorfo está no ar, além da sombra que espreita os candidatos e se adianta por conta própria.

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