terça-feira, outubro 12, 2010

Ciganos graças a Deus

Ciganos graças a Deus
Para fugir da discriminação e da perseguição na Espanha, grupos espalhados pelo país buscam apoio e refúgio em igrejas evangélicas
LUISA BELCHIOR - COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, - DE MADRI
Toda semana, Mhiaela Florina, 30, cigana romena, vai à sede da Igreja Universal do Reino de Deus em Madri com a irmã Ancuta, 19.
Converteram-se há um ano, quando chegaram à Espanha, aderindo a um movimento que já atraiu metade dos cerca de 700 mil ciganos do país -a maior população do grupo na União Europeia.
Segundo o Centro de Investigações Sociológicas da Espanha, 49% deles se converteram a igrejas protestantes. "Sempre acreditamos nas mesmas coisas que as igrejas dizem, só não tínhamos religião formal", conta Noemi Serrano, 48, que conduz um programa de evangelização de ciganos no país.
Mas o movimento é também um recurso que os ciganos adotaram para se proteger da perseguição na Europa, especialmente depois de o presidente do governo espanhol, José Luiz Rodríguez Zapatero, ter dado aval à política de expulsão de ciganos do francês Nicolas Sarkozy.
Embora a Espanha seja considerada pela Comissão Europeia modelo de integração de ciganos, o grupo é ainda o mais discriminado no país, segundo o Centro de Investigações Sociológicas.
"Aqui [na Igreja Universal] não nos sentimos discriminados, e eles ainda nos ajudam", afirma Mhiaela.
"Indo à igreja, eles são vistos como bons cidadãos, que não provocam desordem, e isso evita expulsões como as da França, ligadas a mau- -comportamento", afirma o catedrático do Centro de Migração e Racismo da Universidade Complutense de Madri, Tomas Calvo, ex-membro da Comissão Interministerial para Ciganos.
"Essas igrejas também intervêm em casos de ciganos romenos que não têm documentação nem de seu país".
Isso explica, para ele, o interesse de ciganos que não tinham religião ou frequentavam a Igreja católica, tradicional aliada do grupo na Espanha, pelas evangélicas.
Na paróquia de Santo Domingo de la Calzada, única igreja de Valdemindoguez, a maior concentração de ciganos romenos em Madri, já se nota a baixa. "Agora eles vêm para pedir ajuda, mas vão ao serviço das evangélicas", afirma Paco Pascual, funcionário da paróquia.
"Nas evangélicas, eles se sentem mais próximos, podem até ser pastores", declara Tomás Calvo.
É o caso de Antonio Juanbreva, 68: "Virei pastor e toda minha família já se converteu. Quase todas as famílias fizeram o mesmo".
NOVOS FIÉIS
Atualmente, há nichos de evangelização de ciganos também na França, Portugal, Suécia e Finlândia, mas o mais forte deles é na Espanha, segundo Manuela Cantón, que pesquisa a evangelização de ciganos no país.
A principal representante desse crescente movimento é a Igreja de Filadélfia, ramificação protestante criada na década de 1960 pelos próprios ciganos. "A Igreja de Filadelfia está permitindo a organização política dos ciganos", afirma Cantón, que escreveu o livro "Ciganos Pentecostais: um olhar antropológico sobre a Igreja Filadelfia na Andaluzia".
"Quase todo mundo que conheço está na Filadelfia", conta a cigana Anara Montoya, 42, cuja família foi uma das primeiras na igreja, há cerca de 20 anos.
Mas os templos latino- -americanos também têm angariado fiéis ciganos, caso da Igreja Universal do Reino de Deus de Madri. "Eles vinham nos dias em que distribuíamos comida. Mas agora já frequentam mais", diz à Folha o pastor Roberto Braga.
Os efeitos da evangelização dos ciganos na Espanha ainda dividem opiniões. "O problema é que não são organizações laicas", declara a ministra de Saúde e Políticas Sociais (que concentra as políticas para ciganos), Trinidad Jiménez.
Já o ministro de Educação, Ángel Cabilondo, avalia as igrejas pentecostais como "espaços positivos". Ele revelou à Folha que planeja parcerias com elas.
Os pesquisadores Tomás Calvo e Manuela Cantón veem no movimento uma chance de reinserção dos ciganos na sociedade.
"Para mim, isso marginaliza os ciganos, segrega", afirmou o presidente da Fundação Secretariado Ciganos da Espanha, Pedro Puente.
Após apoiar Sarkozy, Zapatero enfrenta forte pressão e silencia
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,  - DE MADRI
O aval do presidente espanhol, José Luis Zapatero, à política de expulsão de ciganos levada a cabo pelo francês Nicolas Sarkozy abriu uma crise entre entidades representantes de ciganos e autoridades no país ibérico.
O espanhol foi um dos que declararam apoio a Sarkozy, em Bruxelas, em setembro. Entidades como a União Cigana da Espanha, que acionou a Corte da União Europeia contra Sarkozy, pedem retificação de Zapatero.
O presidente, porém, vem delegando a seus ministros a tarefa de garantir que a Espanha não tem intenção de fazer uma política similar.
Embora garanta a livre circulação de cidadãos de países membros da União Europeia, a legislação da UE também permite a expulsão em casos específicos, como quando o estrangeiro é um excesso de carga social.
"A diferença entre nós e os franceses é que queremos incorporar as diferenças, não eliminá-las", disse o ministro de Educação espanhol, Ángel Cabilondo. "Não queremos uma sociedade plana, queremos diversidade." (LB)
Grupo é 2º mais discriminado da Espanha
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, - DE MADRI
Originários de regiões orientais como a Índia, os ciganos se espalharam pela Europa ao longo dos séculos. Atualmente, são entre 10 milhões e 12 milhões disseminados pelo continente.
Apesar de conservar a maioria dos ritos, poucos vivem de forma nômade - só 5% deles, segundo a União Romena da Europa.
Na Espanha, onde os primeiros ciganos chegaram em 1425, há cerca de 700 mil deles, a população mais numerosa da União Europeia.
Apesar de hoje ter uma das políticas mais integradoras à população cigana do continente, o país manteve por muito tempo programas de perseguição.
Segundo uma pesquisa do Centro de Investigações Sociológicas da Espanha, os ciganos são o segundo grupo mais discriminado, atrás dos muçulmanos.
De acordo com o Eurobarômetro, principal pesquisa de opinião da UE, um quarto dos europeus se diz incomodado em ter um cigano como vizinho. (LB)

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