sábado, outubro 16, 2010

Novelo cambial

Novelo cambial
MIRIAM LEITÃO – O Globo
A armadilha cambial em que o país está é complexa, difícil de desarmar e, pior, o Brasil não controla fatos que nos afetam como a política monetária americana. No que o país pode influir, o governo não quer mexer, que é o gasto público. Este ano o Brasil está crescendo de 7% a 8% e vai ter um superávit fiscal igual ao do ano passado em que cresceu zero. O sensato seria economizar mais.
Ontem, o presidente do Fed, banco central americano, Ben Bernanke, fez um aviso que já era aguardado e foi esmiuçado pelos economistas. Ele disse o que se esperava: que vai pôr muito mais dólares em circulação através da compra de títulos públicos. Os juros estão perto de zero e o Fed tenta ampliar mais a emissão da moeda. Conclusão: se haverá mais dólares em circulação, a moeda americana continuará se desvalorizando em relação às outras.
Se o dólar continuar caindo e o real continuar subindo, mais cara fica a produção nacional comparada com o produto importado, e mais caros ficam os produtos brasileiros no exterior.
Mas é o emissor da moeda de referência do comércio internacional que está dizendo que tomará decisões que vão desvalorizar o dólar. Ele faz isso para tentar reativar o consumo.
Acontece que o consumidor americano estava numa bolha provocada por um superendividamento e se queimou na crise. Perdeu a casa que tinha ou ela ficou mais desvalorizada. Suas dívidas cresceram. Hoje paga contas e tenta economizar.
Nem juro zero o convence, e o banco central americano está tentando aumentar a oferta de crédito para esse desconfiado consumidor.
Essa é uma parte da moeda.
Há outras. Países desenvolvidos estão crescendo pouco e assim devem ficar. Para salvar os bancos, quando os consumidores não puderam pagar as contas, eles aumentaram os gastos públicos. A dívida deles dobrou como proporção do PIB, os déficits estão em níveis recordes. As empresas desconfiadas não investem e por isso não empregam.
Aumenta o medo do consumidor de gastar mais. Ao desvalorizar o dólar os Estados Unidos tentam também aumentar a possibilidade de exportar. E para quem? Para os países onde há crescimento.
Conversei no programa Espaço Aberto desta semana com dois economistas que foram à reunião do FMI: Ilan Goldfajn, economista chefe do Itaú-Unibanco, e Fernando Rocha, sócio da JGP Gestão de Recursos.
Fernando disse que ficou claro que o FMI não tem mais poder para forçar políticas que corrijam as distorções.
Ilan disse que o efeito colateral da política monetária expansionista dos países ricos é jogar um fluxo excessivo de dólares nos países emergentes: — Pode levar meses até o dólar se estabilizar. O fluxo vai aumentar para os emergentes, as bolsas podem subir, mas o dólar continuará baixo. Nesse intervalo, os emergentes começam a tentar se proteger com medidas unilaterais como a que o Brasil tomou.
O excesso de dinheiro vem para os emergentes por vários motivos, diz Fernando: — Vem pelo diferencial de juros, vem atrás de crescimento.
Os dois entrevistados acham que há decisões que o Brasil pode tomar para atacar as causas. A elevação do IOF para as aplicações em títulos do governo foi um ataque ao efeito. A medida que acabou não tendo efeito prático.
O que funcionaria seria reduzir os gastos, abrir espaço para derrubar os juros e assim diminuir o fluxo que só vem para aproveitar esse juro alto. A queda dos gastos tem outro efeito prático.
— O Brasil está vivendo um boom de consumo, o que é saudável porque vem da ampliação da classe média; está vivendo um boom de investimento, o que é saudável porque é o país investindo mais. Não é bom neste momento ter um boom de gasto do governo. É muito boom para um país só — disse Ilan Goldfajn.
Fernando Rocha lembra que este ano o governo está arrecadando mais.
Era a hora certa para elevar o superávit primário.
— As receitas estão crescendo 12% a 13% e o governo vai ter este ano o mesmo superávit primário que teve no ano passado, só que agora o país está crescendo entre 7,5% a 8% e no ano passado estava em zero — diz.
Na verdade, o número pode ser até pior. Ilan acha que o superávit que já foi 3,5% a 4% no atual governo, está em 1,5%, quando são excluídas as receitas apenas contábeis.
Com esse crescimento, alimentado em parte pelos gastos do governo, o país está ampliando o déficit em transações correntes. Por isso acaba precisando daquilo que tenta barrar.
— Hoje se o governo tiver muito sucesso em evitar o fluxo de capitais especulativos, ele terá problemas de financiar o déficit.
Só com investimento direto não dá — diz Ilan.
O dólar baixo cria outro curioso dilema. O governo gostaria muito que o câmbio subisse, mas se isso acontecesse a inflação subiria também. Hoje, com altas de preços de alimentos, por causa da seca, e com a pressão da demanda crescente, a inflação só não sobe por causa dos juros altos e do dólar em queda.
Para complicar a situação, a China impede que a sua moeda se valorize como as outras moedas de países emergentes como o real, o rand, o dólar australiano, entre outras. Resultado: os produtos chineses ficam cada vez mais baratos.
O país está enrolado num novelo cambial. Para começar a desenrolar só cortando gastos públicos. No ano passado os gastos foram ampliados para fazer uma política anticíclica na crise, agora era hora de manter a política anticíclica fazendo o oposto: economizando na abundância. Mas a gastança vai continuar.
• e-mail: miriamleitao@oglobo.com.br
COM ALVARO GRIBEL

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