sábado, outubro 16, 2010

O Brasil acerta ao pedir voz em questões globais

O Brasil acerta ao pedir voz em questões globais
Fareed Zakaria – Revista ÉPOCA
Você pode contar com algumas coisas na anual Assembleia Geral das Nações Unidas. O trânsito em Nova York vai ficar ruim, os discursos vão valer a pena (ainda que alguns sejam um pouco chatos) – e o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, vai dizer algum absurdo. Neste ano, sugeriu que os Estados Unidos orquestraram os ataques de 11 de setembro para salvar Israel e “reverter a economia em declínio”. (Ele notou o efeito real da guerra ao terror no estado fiscal dos EUA?).
Infelizmente, continua sendo uma pena que uma civilização como o Irã seja representada por um personagem desses. Em outros aspectos, no entanto, a atmosfera deste ano foi contida. Perguntei ao presidente israelense, Shimon Peres, que vem a esse tipo de reunião há décadas, sua leitura do clima. “Há mais preocupação do que costumava haver”, disse. Ele descreveu um clima de inquietude, no qual emergentes disputam influência. “Não acho que os EUA estejam decaindo. O mundo é que ficou mais complicado.”
Houve muita preocupação sobre as atividades de países como o Brasil e a Turquia, com muitos americanos argumentando que os dois países se tornaram causadores de problemas, fazendo acordos com Ahmadinejad e virando as costas para os EUA. Precisamos, porém, entender a dinâmica que está alterando o status desses países. Vinte anos atrás, o Brasil lutava para se livrar de um legado de ditadura, hiperinflação e dívida. Hoje, é uma democracia estável, com uma administração fiscal impressionante e um presidente loucamente popular. Sua política externa reflete o desejo de se livrar de velhas amarras.
Num discurso em Genebra em 11 de setembro, o inteligente e ambicioso ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, explicou que, até oito anos atrás, os Estados Unidos absorviam 28% das exportações do Brasil; agora, compram apenas 10%, ultrapassados que foram pela China. A África também passou a ser um parceiro comercial importante para o Brasil. Ao explicar o novo interesse do país pelas questões do Oriente Médio, Amorim afirmou que os 12 milhões de imigrantes e descendentes de árabes do Brasil constituiriam a quarta ou a quinta maior nação árabe do mundo. Em outro discurso, conclamou o Brasil a ser ousado em seus interesses. “É comum ouvir que os países deveriam agir de acordo com seus meios”, disse ele. “O maior erro que alguém poderia cometer, porém, é subestimar (o potencial do Brasil).”
É uma democracia estável, com um líder popular.
Mas, para ser ator global, deve se expor mais em certos temas
Considere-se, então, a Turquia. Vinte anos atrás, também era vista como uma economia dependente da prodigalidade americana e buscando mansamente a aprovação da Europa. Agora, tem uma economia florescente e uma democracia confiante. Está crescendo mais rapidamente do que qualquer país europeu, e seus títulos são mais seguros do que os de muitos países do sul da Europa. A política externa turca está se tornando não tanto islâmica, mas otomana, restabelecendo uma esfera de influência que teve por 400 anos. Abdullah Gül, o presidente turco, diz que, ao mesmo tempo que a Turquia continua sendo parte do Ocidente, é cada vez mais influente no Oriente Médio, na Ásia Central e além. “A Turquia está se tornando uma fonte de inspiração para outros países da região”, disse-me ele em Nova York.
As potências recém-emergentes – China, Índia, Brasil – corretamente insistem em estar mais envolvidas nas tomadas de decisão globais. Quando se lhes dá a oportunidade, porém, elas atuam como grandes potências, com interesses amplos? Sobre comércio? Uso de energia? Mudanças climáticas? Não. Muitos querem ter deferência em matéria de paz regional e estabilidade, mas continuam a buscar seus interesses de modo zeloso. Talvez o exemplo mais claro seja a África do Sul, que insiste na ideia de ser líder natural da África. Só que o país se ausentou vergonhosamente de socorrer o povo do Zimbábue e do Sudão das tragédias locais. Diz Shimon Peres: “Você pode chamar a si mesmo de tomador de decisões. Mas, se não estiver preparado para sacrificar vidas e assumir riscos, então isso é mais uma impressão do que realidade”.
FAREED ZAKARIA é colunista e editor-chefe da edição internacional da revista Newsweek e escreve quinzenalmente em ÉPOCA

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