sábado, outubro 16, 2010

O humor do Nobel

O humor do Nobel
Menos de uma semana após vencer o prêmio, Mario Vargas Llosa dá palestras em SP e Porto Alegre, distribui autógrafo e faz piada ao dizer que gostaria de causar nas próximas gerações o impacto de Victor Hugo e Flaubert
SYLVIA COLOMBO - ENVIADA ESPECIAL A PORTO ALEGRE
Vargas Llosa palestra em Porto Alegre
Mario Vargas Llosa, 74, tem vivido dias de um legítimo popstar. Entre flashes de fotógrafos e assédio de fãs e jornalistas, o peruano passou dias intensos no Brasil.
Há pouco mais de uma semana, o autor de "Conversa na Catedral" foi agraciado com um Nobel de Literatura que havia muito ansiava, mas que já não imaginava mais receber.
Inquieto e ocupado como sempre, decidiu não mudar nada do que tinha na agenda. Na segunda, já estava de volta às aulas que ministra em Princeton (Nova Jersey).
Dois dias depois, começou uma intensa maratona por aqui. "Me perguntaram por que eu não suspendi a viagem, mas era um compromisso marcado havia muito tempo e eu não costumo cancelar coisas."
Em São Paulo, deu duas palestras (uma na Folha) e participou de um jantar. No dia seguinte, voou para Porto Alegre, onde concedeu uma entrevista para 60 veículos e fez uma conferência para mil pessoas no ciclo Fronteiras do Pensamento.
Em todos esses compromissos, apresentou-se galante, sorriu e distribuiu autógrafos. "Li quase todos os seus livros", disse a fã que o abordou já dentro da aeronave que o levou ao Sul. Vargas Llosa agradeceu o elogio e conversou brevemente com a moça.
No palco do Fronteiras, foi questionado sobre o que poderia desejar agora, depois do prêmio máximo das letras. "Gostaria de causar em futuras gerações o que Victor Hugo, Faulkner ou Flaubert causaram em mim. Ou seja, seguirei frustrado", disse, fazendo o auditório rir e, na sequência, aplaudi-lo de pé.
Pouco antes, Vargas Llosa conversou com a Folha sobre literatura latino-americana, o romance que está por lançar ("O Sonho do Celta") e a coletânea de ensaios "Sabres & Utopias", recém-editada aqui pela Objetiva.
Folha - O sr. diz que tem vontade de transformar tudo o que acontece em sua vida em ficção. No ensaio sobre Borges que está em "Sabres & Utopias", analisa como o argentino baseou sua obra mais naquilo que leu do que no que viveu. Seria essa a principal diferença entre os trabalhos dos dois?
Mario Vargas Llosa - Para Borges a matéria-prima sempre foi a literatura. Ele costumava dizer que lera muitas coisas, mas que vivera poucas. No meu caso, a leitura me apaixona, mas a matéria-prima do que escrevo são as experiências vividas, as pessoas que conheci, as coisas que ouvi. Minha obra está muito mais baseada em experiências vitais.
Em outro dos ensaios, o sr. fala do impacto causado por uma viagem que fez à região de Alto Marañon, na Amazônia peruana, no final dos anos 50. Esta o inspirou a escrever livros importantes, como "Pantaleão e as Visitadoras". Também está por trás do romance que está por lançar, "O Sonho do Celta" [sobre Roger Casement (1864-1916), diplomático inglês que atuou no Congo Belga e na América do Sul]?
Aquela foi uma viagem muito importante, eu tinha 21 anos, pude encontrar diferentes caras do meu país e também voltar ao passado e encontrar tribos que poderiam estar na Idade da Pedra. Foi a viagem mais fértil da minha vida. Durou poucas semanas, mas inspirou "Pantaleão", "A Casa Verde" e me fez carregar referências da selva para sempre. Também está no "Sonho do Celta". Mas eu voltei depois à floresta várias vezes, ela me ensina coisas importantes sobre o Peru.
Se pudesse sintetizar a ideia que Casement teve da América Latina, como o faria?
Da América Latina, Casement conheceu apenas a barbárie, a cobiça e a crueldade. Ele esteve na Amazônia visitando os lugares onde havia a exploração da borracha. Seus textos ajudaram a denunciar os horrores e injustiças terríveis que se cometiam lá naquele tempo. Descrevem de forma muito minuciosa um mundo que fomos escondendo, por vergonha.
No passado, o Peru teve um grande autor na figura de José María Arguedas ("Os Rios Profundos", 1958). Hoje, aparecem nomes como os de Daniel Alarcón e Santiago Roncagliolo. Como o sr. se relaciona com essa tradição e esse presente da literatura peruana?
Eu venho desse passado, inegavelmente. "Os Rios Profundos" é um livro belíssimo e essencial para entender o Peru. Com os autores do presente, tenho diálogo e os sigo com muito interesse. Sinto que há uma conexão entre as gerações.
O Nobel se caracterizou, nos últimos tempos, por fazer escolhas políticas, geralmente de autores mais esquerdistas. Muitos se surpreenderam que dessem o prêmio ao sr. Como vê isso?
Eu também me surpreendi [risos]. Não exagero em dizer que estava totalmente convencido de que nunca me dariam o prêmio. Minha surpresa foi total, mas me alegro. E, afinal, seria de muito mau gosto se eu me pusesse a criticar o Nobel justo agora, não acha? [risos]

Porto Alegre deu sorte. Exatamente uma semana após Mario Vargas Llosa ter recebido o prêmio Nobel de Literatura, o escritor peruano veio palestrar justamente na capital gaúcha, no ciclo Fronteiras do Pensamento, na quinta-feira (14). A plateia o recebeu com aplausos em pé no auditório da reitoria da Ufrgs, que estava lotado. Durante a conferência, mediada por Sergius Gonzaga, Llosa discursou sobre o papel e o conceito de cultura ao longo da história e mostrou preocupação com a banalização do conhecimento nos dias de hoje. Após terminar sua palestra, respondeu perguntas do mediador e da plateia sobre assuntos como literatura e política. Disse que o panorama político latino-americano melhorou muito nas últimas décadas, lembrando que na sua juventude o continente era dominado por ditaduras. Também comentou que a América Latina ainda está descobrindo a sua própria literatura. Ao final, perguntado sobre o que faria com o dinheiro do prêmio Nobel, respondeu que a decisão ficaria a cargo da sua mulher, Patricia, e que ele só queria que ela lhe deixasse o suficiente para comprar alguns livros. Acrescentou que ela é muito generosa e certamente o fará, mostrando o bom humor de um prêmio Nobel. JORNAL DO COMÉRCIO - Porto Alegre - 16/10/2010

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