sábado, outubro 16, 2010

Seis heróis em Atacama
WALTER CENEVIVA – Folha de São Paulo
A festa final ocultou a distorção no tratamento dado aos mineiros, tidos como os únicos heróis
OS ESTUDIOSOS DO DIREITO do trabalho e dos acidentes decorrentes distinguem graus de periculosidade das profissões, a repercutir em outros ramos, sobretudo nos seguros profissionais.
Acidentes no trabalho se repetem tanto que seria normal ver o noticiário sobre os mineiros chilenos em uma coluna em páginas internas dos jornais ou em poucos segundos na televisão. O que gerou a exceção?
Motivos econômicos? Não. O Chile depende diretamente das rendas de sua exportação de metais, em especial o cobre e o ouro. O país tem interesse em que a produção minerária seja constante. O Chile e suas mineradoras devem cumprir os encargos assumidos nas relações internacionais deste mundo globalizado. Também não explica o fenômeno jornalístico.
O que levou a CNN, especialista em notícias, e a BBC, uma líder da seriedade noticiosa, a transmitir ao vivo de Atacama com enviados especiais? Os fatos do Chile puseram em alerta todo o jornalismo brasileiro. Por quê? A resposta desta coluna põe a causa do interesse no direito à vida, no conceito não jurídico da solidariedade, na defesa da liberdade.
Se os mineiros tivessem perecido no momento do acidente, não haveria novidade. A novidade foi o esforço de os retirar, com vida, da prisão subterrânea em que ficaram. Explica, em parte, a ajuda da Nasa na subida dos mineiros à superfície.
A dependência decorrente da globalização é maior ou menor conforme a possibilidade de cada país em pedir e receber a cooperação -financeira ou técnica- dos mais ricos. Mas nem mesmo esse amparo tecnológico num momento de grande dificuldade é suficiente para explicar a comoção planetária.
O fenômeno do estopim de interesse por todos os fatos, por todos os minutos e em cada momento do que se passava naquele espaço profundo não foi devido a tratados de cooperação. De repente, como se fossem empurrados por um comando único, os meios de comunicação se voltaram para o deserto de Atacama, impulsionados por uma clientela aflita, a justificar os sacrifícios da cobertura.
Seria natural que o fenômeno movimentasse os meios de comunicação do Brasil, em virtude de sua presença dominante na América do Sul. Veja-se o exemplo da Bolívia e do Paraguai, ao dividirem interesses fundamentais nas águas do rio Paraná e no gás boliviano.
Mesmo sob ângulo diverso, o comércio com os Estados Unidos e com a China, que concentram a maior parte das nossas relações econômicas, não serve para explicar o interesse despertado pelo acidente em nós e no resto do mundo.
Passado o espetáculo, a nova realidade para eles será a que Marion Minerbo descreveu nesta Folha: "Apesar da alegria, o mais difícil será voltar para casa". Por esse momento, poucos -se houver algum- se interessarão.
A festa final ocultou uma realidade: a distorção no tratamento aos mineiros como únicos heróis. Heróis, no verdadeiro sentido da palavra, são os seis homens que foram ao fundo da mina -voluntária e conscientemente- como gente do resgate ou de funções técnicas, para orientar a retirada. Saíram depois dos 33 mineiros.
O que terá passado pela cabeça do último enquanto aguardava só, em silêncio, distante da superfície, a última viagem da cápsula? Esse foi o herói dos heróis.

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