sábado, outubro 16, 2010

Três mitos e um enigma

Três mitos e um enigma
ROSISKA DARCY DE OLIVEIRA
Ao fim do debate na TV Bandeirantes, fosse eu cartunista, desenharia os dois candidatos à Presidência da República à deriva, acertando murros na cara da plateia. Tentando atingir-se mutuamente, atingiram a nós, eleitores, vítimas de explícita manipulação.
Amigos que acreditam sinceramente em Deus e o têm em seus corações, vendo o seu Santo Nome usado em vão, disseram sentir-se ofendidos. Em vão, no duplo sentido, porque dificilmente será convincente um fervor improvisado à última hora.
Há algo de sacrílego na maneira como é cortejado o eleitorado religioso.
A devoção simulada não o respeita, o que seria uma obrigação democrática, ao contrário, desrespeita, tentando enganá-lo. A impostura tem pernas curtas. O YouTube está aí que não nos deixa mentir.
Pouco se aprendeu da preciosa herança que a votação de Marina deixou nesta eleição: o poder da convicção verdadeira que desmascara a pantomima em que o marketing transformou a política. Um enigma não decifrado.
Se a intenção é apropriar-se dos votos de Marina, cuja religiosidade não data de ontem e não foi nem escondida nem apregoada, há que lembrar que, se muitos votaram nela por afinidade com sua espiritualidade, outros tantos, laicos, votaram em suas ideias, na honestidade de seus princípios e no frescor que trazia à política.
A boa notícia é que a perversão da política está fazendo água.
Três mitos ruíram no primeiro turno. O primeiro, a decantada unanimidade em torno de Lula. Apesar de ter jogado na campanha todo o seu prestígio, sua colorida coleção de bonés e seu charme folclórico, a candidata para quem pede votos como para si mesmo pena para atingir a maioria. Tanto melhor. A pluralidade é de melhor augúrio para a democracia do que um condottiere e seu cortejo de adoradores.
O segundo, a confiabilidade das pesquisas.
Empresas que cobram os olhos da cara por seus serviços e entregam um produto defeituoso deveriam pesquisar sobre a sua própria imagem. Descobririam o quanto anda abalado seu prestígio. Na certa estão entre os perdedores desta eleição.
O terceiro, a força do marketing que desenha seus frankensteins para agradar ao grande público. Identidades e histórias se diluem, a conselho de uma pretensa ciência que promete detectar, dia a dia, o errático humor do eleitorado. Então, já não são os candidatos que convencem o eleitor da justeza de suas posições, mas uma opinião mediana que lhes dita quem eles devem se tornar. Custe o que custar à sua dignidade pessoal e mesmo ao preço do ridículo.
As peças publicitárias os aproximam quando, de fato, são tão diferentes.
Qual dos dois lavará mais branco? O efeito surpresa da candidatura Marina foi justamente não ter se submetido a essa regra do jogo.
O que os bruxos da psicologia de massas não captam é a exaustão de um modelo, a repulsa à propaganda enganosa, à banalização de temas graves, o enjoo com seus ventríloquos e pirotecnias que obscurecem o debate de ideias.
Os marqueteiros subestimam a inteligência do eleitorado. Pouco sabem da incerteza que a internet trouxe à comunicação. São principiantes nesse mundo atomizado de indivíduos que, como quanta, se movem imprevisíveis. Suas técnicas são as de um mundo balizado, uma tela em que só eles falam dando o seu pífio recado para um público espectador.
Não captam a agonia da sociedade de massas e a dinâmica da sociedade em rede. Como veios de água que minam a encosta, e-mails veiculam a verdade de cada um — nem sempre verdadeira — mas com um potencial incalculável de impacto na opinião.
Indomável cacofonia.
E se o marketing fosse impotente fora das regras definidas em que sempre atuou? E se a espontaneidade gerasse emoção? E se a emoção se espraiasse na conversa de quem confronta ideias no caos das redes? E se daí brotassem os votos de gente diversa cujo denominador comum é a aspiração ao novo e o repúdio à hipocrisia? E se Maquiavel vagasse perdido no espaço virtual? Um marqueteiro referiu-se a Marina Silva como uma nova marca cujo valor teria subido no mercado. No mundo do compra e vende faz sentido.
Num universo mais amplo é um imenso erro conceitual de quem só aprendeu a ler os fatos pela cartilha da sua escola.
A teoria só encontra o que procura, o que não procura não vê. O sucesso de Marina vem de outra lógica que ela, na contramão da propaganda, inscreveu na agenda do país. Há que decifrá-la. Ou ser devorado.
Uma pista para os finalistas, já que ainda há tempo de voltar a si, literalmente: tudo que é raro é caro.
Sobe o valor da integridade.
ROSISKA DARCY DE OLIVEIRA é escritora. E-mail: rosiska.darcy@uol.com.br

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