sexta-feira, outubro 08, 2010

Combate à pobreza

Combate à pobreza
07/10/2010 - Flávia Piovesan – Opinião – O Globo
Em recente reunião na ONU, 192 chefes de Estado avaliaram o cumprimento das “metas do milênio”, concluindo que houve avanços, sobretudo na luta internacional para a erradicação da pobreza. Em 1990, 46% da população dos países em desenvolvimento viviam abaixo da linha da pobreza (com menos de US$ 1,25 ao dia), ao passo que, em 2008, este percentual decaiu para 27%, segundo o Banco Mundial.
Estudos demonstram políticas exitosas adotadas por China, Brasil e Índia no combate à pobreza, que juntos têm mais da metade dos pobres do mundo.
Se, em 1981, 84% da população da China viviam abaixo da linha da pobreza, em 2005 este universo correspondeu a 16%; no Brasil, se, em 1981, 17% da população viviam abaixo da pobreza, em 2005 este percentual reduziuse a 8%; e na Índia, se, em 1981, 60% da população viviam abaixo da linha da pobreza, em 2005, houve a queda para 42%.
Três desafios despontam como prioritários no combate à pobreza na ordem contemporânea.
O primeiro deles é assegurar o componente democrático, demandando que as políticas públicas de enfrentamento da pobreza e programas de transferência de renda sejam inspirados pelo princípio democrático da transparência e da accountability (prestação de contas). Como lembra Amartya Sen, não há registro histórico de fome extrema em Estados que tenham democracias consolidadas. A pessoa humana deve ser o sujeito central do desenvolvimento e deve ser ativa participante e beneficiária do direito ao desenvolvimento, como consagra a Declaração da ONU sobre o Direito ao Desenvolvimento.
O segundo desafio refere-se à maior participação e inclusão de mulheres.
Se no mundo hoje há 1 bilhão de analfabetos adultos, 2/3 são mulheres.
Consequentemente, 70% das pessoas que vivem na pobreza também o são — daí a feminização da pobreza.
Garantir o empoderamento de mulheres é condição essencial para avançar no desenvolvimento. Estatísticas apontam que os países com maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano, que mensura qualidade de vida da população, acesso à saúde, à educação e ao trabalho) são justamente os mesmos que apresentam o menor gender gap, isto é, a menor diferença entre homens e mulheres no exercício de direitos humanos. No dizer de Amar tya Sen, “nada atualmente é tão importante na economia política do desenvolvimento quanto o reconhecimento adequado da participação e da liderança política, econômica e social das mulheres.
Esse é um aspecto crucial do desenvolvimento como liberdade”.
Por fim, o terceiro desafio para o combate à pobreza relaciona-se à maior democratização dos espaços internacionais e da “governança global”.
Em 2009, países ricos decidiram expandir a cúpula do G8 (EUA, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Canadá e Rússia) para incluir as economias emergentes, transformandoo em G14 (com a adição de Brasil,Índia, China e África do Sul, entre outros).
Passa a ser inadmissível enfrentar os desafios globais sem a representação adequada de continentes inteiros como a África, a América Latina e a China nos grandes fóruns internacionais e corpos decisórios.
Ainda que, na atualidade, os EUA persistam como a única superpotência mundial, a geopolítica contemporânea caminha para uma ordem multipolar marcada pelo ingresso de novos atores internacionais, como o Brasil, a Índia e a China — o rise of the rest (“o despertar dos outros”).
Atualmente, cerca de 80% da população mundial vivem em países em desenvolvimento.
Dois deles — Índia e China — totalizam quase um terço da população mundial. Contudo, em face das assimetrias globais, os 15% mais ricos concentram 85% da renda mundial, enquanto os 85% mais pobres concentram 15% da renda mundial, sendo a pobreza a principal causa mortis do mundo, na avaliação da Organização Mundial de Saúde.
Em uma arena global cada vez mais complexa, interdependente e interrelacionada, fundamental é avançar na afirmação da justiça global nos campos social, econômico e político, a compor uma nova arquitetura capaz de responder aos desafios da agenda contemporânea, da nova dinâmica de poder no âmbito internacional e da necessária transformação das organizações internacionais, em um crescente quadro de responsabilidades compartilhadas. Neste contexto, de fatalidade ou destino natural dos países em desenvolvimento, a pobreza converte-se em uma violação a direitos humanos, fruto de um construído histórico a ser urgentemente desconstruído.
FLÁVIA PIOVESAN é professora de Direito da PUC/SP

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