sexta-feira, outubro 08, 2010

ENTREVISTA CIRO GOMES "Privataria" do PSDB e "mafiosos" do PT levaram eleição ao 2º turno

ENTREVISTA CIRO GOMES
"Privataria" do PSDB e "mafiosos" do PT levaram eleição ao 2º turno
Deputado acha que essa "frouxidão" moral impulsionou voto em Marina nas grandes capitais
Ciro critica campanha que incita ódio religioso a criticar o PMDB e diz diz que decisão sobre o aborto é do Congresso
RANIER BRAGON - DE BRASÍLIA – FOLHA DE SÃO PAULO
Integrado nesta semana à coordenação da campanha de Dilma Rousseff (PT), o deputado federal Ciro Gomes (PSB-CE), 52, diz que escândalos do PSDB, aliados a outros promovidos por "aprendizes de mafiosos" do PT, simbolizam a "frouxidão moral" que teria levado parte dos eleitores a votar em Marina Silva (PV) e levar a eleição para o segundo turno.
Ciro voltou a criticar o PMDB dizendo que há contradições "graves" e ainda não resolvidas na aliança de Dilma, mas considera que no Brasil é impossível governar sem essas contradições.
Folha - O que o sr. pode acrescentar de novo à campanha?  Ciro Gomes - O segundo voto mais relevante, especialmente o voto mais qualificado nas grandes capitais brasileiras, foi o voto dado à Marina. E eu quero crer que o pulso fundamental desse voto é de natureza ideológica e ética. É preciso discutir com essas pessoas e dar a elas os argumentos para que elas relativizem a simpatia correta que tiveram pela Marina e entendam que agora o que está em discussão não são nossas simpatias, mas o futuro do país, antagonizado por dois projetos que felizmente são muitos claros.
Isso leva a uma frase que o sr. disse, a tal da "frouxidão moral", que afetou tais pessoas. PSDB e PT.
O que é PSDB e PT? O caso Erenice é um exemplo? Não, você pergunte isso pro PSDB. Pra mim, que sou aliado do PT, você pergunte aos do PSDB. Então vou te dar aqui todo o conjunto de prática que esse grande jornalista que é o [colunista da Folha] Elio Gaspari chama de privataria, o processo de privatizações. O cidadão está no telefone falando com o FHC, então presidente da República, dizendo que operaram no limite da irresponsabilidade [na verdade, a conversa captada pelos grampos do BNDES, em 98, é de Ricardo Sérgio com o ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros]; o Serra nomear pro centro de eventos de São Paulo um banqueiro chamado Márcio Fortes, do Rio [Fortes foi nomeado presidente da Emplasa em 2009]; o Serra assumir a Prefeitura de São Paulo e, como primeira providência hospedar os saldos da Prefeitura de São Paulo em um banco privado [em 2005, Serra tentou repassar ao Itaú e ao Bradesco o gerenciamento das principais contas bancárias da prefeitura]. Não adianta você escrever que não sai, não é publicada essa informação. E, do outro lado, os aprendizes de mafiosos do PT, que de vez em quando mandam uma dessa.
Caso Erenice, por exemplo? Isso é você quem está dizendo.
Com a votação obtida por Marina, o sr. acha que o presidente errou ao patrocinar uma articulação para que o PSB não lhe desse a legenda? Erramos todos nós. Mas quem mais duramente sabe disso é o Lula. Ele, o nosso campeão, o mais exuberante dos nossos quadros, o mais popular dos nossos quadros, nunca ganhou nenhuma eleição no primeiro turno.
Aliados estariam cobrando um Lula e Dilma mais "paz e amor". Como conciliar isso com o sr. na coordenação? Eu lhe dou um doce dos bons se você me disser um único precedente em que eu fui agressivo sem ser em reação a uma injustiça. O futuro do país não admite essas cordialidades conservadoras. A cordialidade conservadora mantém por cima da mesa a aparência de elegância e faz a coisa mais imunda e ameaçadora do futuro dessa nação por debaixo dos panos. Você não sabe a campanha que está acontecendo na internet, incitando o ódio religioso?
Petistas também fazem isso. Viva a democracia e viva a República e condene quem estiver fazendo isso, seja quem for. Estou chamando a atenção. Há limites. Determinados oportunismos têm que ser banidos, porque eleições se ganham e se perdem, mas as construções das bases em que uma cidadania se afirma... Eu no dia em que precisar consultar o aiatolá da minha comunidade para tomar uma decisão civil, eu estou fora. Vamos falar de aborto. Quem é no planeta Terra que pode ser a favor do aborto? O aborto é uma tragédia humana, emocional, psicológica, de saúde pública, religiosa, moral, ética. Uma tragédia.
É a descriminalização.... Não, aí você tem um grande debate não resolvido no planeta: que relação o Estado deve ter com essa tragédia. Nunca houve no Brasil uma possibilidade de o presidente arbitrar essa questão. É o Congresso Nacional, que por sua vez não tem a menor coragem de tocar no assunto, nem esse nem o próximo, tranquilize-se o brasileiro.
Contra ou a favor, infelizmente, até por omissão, o Congresso Nacional brasileiro não tratará do assunto. Não dirá nem que sim nem que não. Continuaremos fazendo todos de conta que o rico pode fazer do jeito que quiser em uma clínica muito bem limpinha e que a pobre vá se ferrar enfiando uma agulha de tricô na vagina porque os mulás, os talebans e os aiatolás não querem que se discuta o assunto.
Os mulás, aiatolás e talebans em parte apoiam Dilma. Sim, mas o Serra tem uma opinião diferente? A opinião do Serra e da Dilma sobre esse assunto é rigorosamente a mesma. Pro bem ou pro mal.
Qual é a posição do sr.? Eu acho que o Estado nacional brasileiro não tem nada a ver com esse assunto. Esse é um assunto da intimidade humana, moral, ética e religiosa da família e da mulher, especificamente. Ou seja, não tem nada que criminalizar coisa nenhuma. Isso é a minha particular opinião, pessoal. Não tem nada a ver com a opinião da Dilma.
Sobre PMDB, o sr. disse que o [Michel] Temer [presidente do partido e vice de Dilma] estava chefiando uma turma de pouco escrúpulo. Penso que essa aliança PT e PMDB têm contradições graves. Sou aliado do PMDB no Ceará, acabamos de eleger um senador do PMDB, o vice nosso é do PMDB. Então eu acho que há uma contradição, mas no Brasil é impossível governar sem essa contradição. O que é preciso é pôr sobre essa contradição uma hegemonia moral e intelectual clara. E isto que eu acho que ainda falta.
Frases
"Há limites. Determinados oportunismos têm que ser banidos... Eu, no dia em que precisar consultar o aiatolá da minha comunidade para tomar uma decisão civil, eu estou fora"
"A aliança PT e PMDB tem contradições graves... Mas no Brasil é impossível governar sem essa contradição. O que é preciso é pôr sobre essa contradição uma hegemonia moral e intelectual"
Deputado faz críticas a órgãos de comunicação DE BRASÍLIA
Ciro Gomes fez críticas a vários órgãos de comunicação, entre eles a Folha. "Não conseguiria participar da política se não fosse a imprensa. Então viva a imprensa. Se é ruim com ela em alguns momentos, muito pior seria sem ela."
O primeiro alvo foi a revista "Veja". "Dá para dizer que a "Veja" é neutra? A "Veja" tem o direito de fazer o que quiser, evidentemente até o limite da calúnia. Permaneça a "Veja", viva a "Veja", aberta a "Veja", mas a "Veja" tem que responder para alguém."
A seguir, elogiou o jornal "O Estado de S. Paulo". "O Estadão, concorrente de vocês [Folha], eu só bato palmas pro Estadão. Provavelmente eu não concorde com nenhum editorial dos últimos 14 anos. Mas viva o jornal "O Estado de S. Paulo"."
Ciro falou sobre a Folha. "A Folha eu admiro profundamente, ao contrário dos meus amigos petistas. Ela tem uma simpatia provinciana pelo candidato [José] Serra, de São Paulo, colunista da Folha, amigo do Frias [Otavio Frias Filho, diretor de Redação do jornal], e não sei o que, mas o que a gente diz sai lá."
Por fim, falou da Globo. "As Organizações Globo são conservadoras, ponto. Têm o direito de ser. O dr. Roberto Marinho era um militante da vida pública brasileira, ele próprio conspirador de 64 (...) Mas é crime ser conservador?"
A "Veja" não quis se manifestar. A Globo não respondeu até o fechamento.
NOTA DA REDAÇÃO - O candidato José Serra (PSDB) não é colunista da Folha.

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